Ação confronta interesses do agronegócio e tem apoio da Defensoria Pública e de entidades da sociedade civil
O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o próximo dia 19 o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5553, que pede o fim da isenção fiscal para agrotóxicos no Brasil. O processo contraria os interesses de entidades ligadas ao agronegócio, que tensionam o jogo em torno da ação para evitar um eventual acolhimento do pedido por parte dos ministros. O caso será julgado pelo pleno da Corte, que envolve os 11 magistrados.
“Estou otimista de que o Ministério Público vai cumprir o seu papel e de que a Justiça acate a nossa tese de que não se pode dar incentivo fiscal a agrotóxicos porque isso é incentivar o seu uso. É comprometer a saúde, a qualidade de vida e a própria vida. A nossa expectativa é de que a gente consiga derrubar”, afirma o deputado federal Edmilson Rodrigues (Psol-PA).
O partido é o autor da ação, que contará com sustentação oral de diferentes entidades da sociedade civil durante o julgamento e também da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, instituições que atuam no processo como amicus curiae - expressão em latim que significa "amigo da corte", é utilizada para designar uma instituição que fornece subsídios para embasar decisões nos tribunais que envolvem questões de grande impacto.
Do ponto de vista técnico, o partido questiona cláusulas do Convênio nº 100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), e o Decreto 7.660/2011, que garantem, respectivamente, a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) em 60% e isentam do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) alguns tipos de agrotóxicos.
“Elas ferem o princípio da seletividade e, mais que isso, ferem o princípio da moralidade tributária e o da moralidade administrativa, pois estão dando o mesmo tratamento ao paraquat [tipo de pesticida] ou a outros agrotóxicos lesivos ao meio ambiente, como o fipronil, e a um agente biológico que não produz danos ao meio ambiente e à saúde humana”, afirma o defensor público Marcelo Carneiro Novaes, acrescentando que os benefícios fiscais desconsideram, entre outras coisas, o potencial de risco dos venenos.
“Você tributa mais de acordo com a lesividade ao meio ambiente e à saúde. Eu acho que o Supremo vai entender a importância dessa discussão”, acrescenta.
Na ação, o Psol argumenta que, além de intensificar o uso de pesticidas, a isenção fiscal concedida pelo Estado fere o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal.
O partido destaca casos ligados a impactos ambientais e laborais, ressaltando que a exposição dos trabalhadores a esse tipo de produto nas lavouras prejudica a saúde da categoria, além de os venenos não oferecerem segurança à saúde dos consumidores finais dos alimentos.
A sigla alega também que o incentivo dado pelo Estado aos agrotóxicos não teria sustentação quando se comparam as questões de essencialidade e capacidade contributiva, pelo fato de as indústrias beneficiadas com a isenção fiscal serem de grande porte e terem “ampla capacidade de arcar com a carga tributária regular”. O Psol sublinha que o setor teve faturamento médio de US$ 8,9 bilhões em 2017, por exemplo, segundo dados da Associação Brasileira de Defensivos Genéricos.
Os argumentos dialogam com o parecer apresentado em 2017 pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a respeito da ação. Na época, ao considerar como procedente o pedido da legenda, ela afirmou que “o incentivo fiscal endereçado aos agrotóxicos traduz prática contrária aos ditames constitucionais de proteção ao meio ambiente e à saúde, sobretudo dos trabalhadores”.
Sociedade civil
O discurso é endossado também por entidades da sociedade civil que acompanham o debate. Entre elas, estão Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Terra de Direitos, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Fian-Brasil e Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). As seis foram aceitas pelo STF como amicus curiae no processo judicial, que é relatado pelo ministro Edson Fachin.
Ao mesmo tempo em que a gente isenta a industria de agrotóxicos, que tem renda de milhões e milhões de dólares anualmente e que, na maioria dos casos, não fica no país, [...] a gente não apoia aqueles agricultores que têm trabalhado e resistido com a produção agroecológica, orgânica de alimento.
Do outro lado, estão entidades como Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que defendem os interesses do agronegócio.
O professor Murilo Souza, pesquisador da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e membro da ABA, questiona a diferença entre o tratamento dado pelo Estado aos produtos de interesse do agronegócio e aqueles que dizem respeito à agroecologia, que lida com produção orgânica e, portanto, sem venenos.
“Ao mesmo tempo em que a gente isenta a indústria de agrotóxicos, que tem renda de milhões e milhões de dólares anualmente e que, na maioria dos casos, não fica no país, a gente não apoia a agricultura familiar e camponesa, as comunidades extrativistas, quilombolas, indígenas e, principalmente, não apoia aqueles agricultores que têm trabalhado e resistido com a produção agroecológica, orgânica de alimento”, compara o professor.
A secretária-geral da Fian Brasil, Valéria Burity, acrescenta que o uso de agrotóxicos afeta a concepção de “nutrição adequada” e o direito à alimentação, este último previsto no artigo 6º da Constituição Federal e em diferentes tratados internacionais assinados pelo Brasil na área de direitos humanos.
“O uso de agrotóxicos tem impactado sobremaneira a natureza e a saúde das pessoas e põe em xeque nossos sistemas alimentares. Há previsão de graves crises nesses sistemas em algumas décadas, o que nos convoca para uma urgente mudança na forma de produzir alimentos. Esperamos, portanto, que o STF cumpra o seu papel de resgatar a eficácia dos direitos fundamentais e das normas constitucionais”, afirma a secretária-geral.
Cristiane Sampaio
Brasil de Fato | Brasília (DF)
Edição: Rodrigo Chagas
* Nilto Tatto é deputado federal pelo PT de São Paulo. Foi presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados em 2017 e atualmente coordena a Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara.
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